AM registra 604 casos de violência contra a mulher e é o 3º estado com mais ocorrências em 2024

Relatório nacional alerta para crescimento das agressões domésticas, feminicídios e vulnerabilidade de crianças e adolescentes; maioria dos crimes acontece dentro de casa

O Amazonas registrou 604 casos de violência contra a mulher em 2024 e ocupa o terceiro lugar entre os estados com maior número de ocorrências desse tipo, ficando atrás somente do Rio de Janeiro e São Paulo. Os dados são do relatório “Elas Vivem 2025: um caminho de luta”, elaborado pela Rede Observatórios de Segurança e divulgado nesta quinta-feira (13).

Segundo o levantamento, os registros de violência contra a mulher no Amazonas, que incluem agressões físicas, violência sexual e feminicídios, superam estados mais populosos, como Bahia e Pernambuco. Foram 33 feminicídios cometidos no Amazonas, 15 deles por parceiros ou ex-parceiros, mostrando que a maioria dos casos acontece dentro de casa.

No contexto nacional, o relatório aponta que foram 4.181 vítimas registradas em 2024, um aumento de 12,4% em relação a 2023. Ou seja, a cada 24 horas, ao menos 13 mulheres foram vítimas de violência nos nove estados monitorados pela Rede (AM, BA, CE, MA, PA, PE, PI, RJ, SP).

Conforme o levantamento, foram 531 casos de feminicídio nos nove estados monitorados, um a cada 17 horas. Houve aumento de 22,1% dos homicídios, excetuando-se o Amazonas. O relatório mostrou também que 70% dos feminicídios no país foram cometidos por companheiros e ex-companheiros e que houve o registro de 12 vítimas de transfeminicídio em todo o Brasil em 2024.

De acordo com a delegada Patrícia Leão, titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM), quando se trata de mulheres em situação de violência, não existe um perfil predominante entre as vítimas e os agressores.“Isso atinge qualquer classe social, não há cor, não há religião, não há nível de escolaridade. Então, qualquer mulher pode ser vítima de violência doméstica, qualquer mulher pode ser vítima de violência de gênero, e os homens agressores, né, são aqueles que a gente menos espera. Geralmente, são pessoas que, nesse local de trabalho, estão acima de qualquer suspeita. Então, não há um perfil, né? Qualquer pessoa pode passar por isso aí”, destacou a delegada.

 Já os casos de feminicídio têm como principais autores os próprios parceiros ou ex-parceiros das vítimas, confirma a delegada. Ela afirma que o feminicídio ocorre em razão da violência de gênero propriamente dita, assim como nos casos relacionados à violência doméstica e familiar.

“Nesses casos, a grande maioria dos autores são exatamente os parceiros ou os ex-parceiros dessa mulher. Então, o que a gente tem que observar? Que a mulher, muitas vezes, corre mais risco contra sua integridade física e mental dentro de casa, né? Do que propriamente na rua”, destacou

Vulnerabilidade de crianças e adolescentes

Outro dado preocupante revelado pelo relatório é que 84,2% das vítimas de violência sexual tinham de 0 a 17 anos, o que evidencia a vulnerabilidade de crianças e adolescentes no estado. Além disso, 97,5% das vítimas não tiveram identificação de raça/cor. Segundo o levantamento, o estado também registrou dois casos de transfeminicídio.

O ex-secretário de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) e especialista em segurança pública, coronel Amadeu Soares, explica que esse é um tipo penal que deve ser trabalhado de forma transversal, pois, além das vítimas serem adolescentes e crianças, esses crimes acontecem no ambiente familiar, e a polícia não pode agir nos lares das famílias.”Então, é preciso fazer um acompanhamento psicossocial nas famílias de pais separados que possuem crianças e adolescentes para monitorar o cotidiano delas. Isso pode ser feito nas escolas e ser compartilhado com as secretarias de interesse”, afirma o coronel da PMAM.

De acordo com ele, outra ação necessária para enfrentar essa problemática é ter maior rigor na lei para punir os acusados desses crimes, além de aumentar campanhas de divulgação em rádios, televisões e redes sociais sobre esses casos.

Segundo a psicóloga Amanda Tundis, os dados são preocupantes e revelam que a proximidade entre a vítima e o autor (familiar ou alguém confiável) é o fator predominante para a prática criminosa contra adolescentes, crianças e jovens.

“Os principais traumas que ficam são em relação à autoestima, ao corpo e à crença de que meninas precisam se subordinar ao sexo. Além disso, há a exposição da criança na vida social e escolar, sem contar os riscos de contrair DSTs”, disse Tundis.

Um caso chocante

Em fevereiro deste ano, a reportagem de A CRÍTICA trouxe o caso de um homem de 30 anos preso em Tefé (município a 523 quilômetros de Manaus) após matar sua companheira a golpes de terçado nas costas. Após a violência, o agressor ainda levou a mulher ao hospital, tentando forjar um suposto suicídio para enganar a polícia. Os médicos, ao verem as características dos golpes, logo perceberam que se tratava de um feminicídio e chamaram a polícia.

Na delegacia, o homem, preso em flagrante, disse que estava sob efeito de álcool e drogas e não sabia que sua companheira havia morrido. Acontece que a polícia continuou investigando o agressor e descobriu que a enteada dele, uma menina de 13 anos, era ameaçada e abusada por ele desde os 10 anos e estava grávida. Ele acabou sendo indiciado também por esses crimes.

A mulher, vítima do feminicídio, sabia da gravidez da filha, mas morreu sem saber que o pai era seu próprio companheiro. Além da filha de 13 anos, ela deixou outros seis filhos, entre eles um bebê de apenas 4 meses – esses filhos, inclusive, eram frutos do relacionamento com o homicida.

Desafios: falta de denúncias e subnotificação dos casos

Entre os principais desafios no combate à violência doméstica e familiar, a delegada Patrícia Leão aponta a dificuldade das próprias vítimas em reconhecerem ou denunciarem a situação de violência. Entre os motivos, ela cita a dependência econômica, emocional, medo ou até mesmo vergonha por parte das vítimas. A consequência disso é a subnotificação dos casos, o que pode dificultar a real dimensão do problema.“Então, por não denunciar, esses números que a gente observa não são reais, muito embora vejamos que são números que a cada ano só aumentam. Mas não são números reais, justamente porque a mulher encontra dificuldade em buscar ajuda. Então, esse é o principal desafio no enfrentamento à violência doméstica e familiar”, disse a delegada.

A delegada ressaltou ainda a importância da denúncia para cessar o ciclo de violência contra as mulheres. “Quem souber de alguma situação de violência, denuncie. A denúncia é muito importante no combate à violência doméstica e familiar para que possamos mudar esse cenário. Nós temos o disque 180”, orientou.

“O 180, além de ser um canal de denúncia, também serve para que a mulher tire dúvidas sobre se está passando por um ciclo de violência. Ela pode ligar para esse número e receber a devida orientação, conhecer os tipos de violência e identificar se está passando por isso”, completou a delegada.

Sobre a Rede de Observatórios da Segurança

A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade em nove estados. A entidade atua na produção cidadã de dados com rigor metodológico, em parceria com instituições locais e a sociedade civil. O objetivo é monitorar e difundir informações sobre segurança pública, violência e direitos humanos.

Os dados são produzidos a partir de um monitoramento diário do que circula nas mídias sobre violência e segurança. As informações coletadas de diferentes fontes são confrontadas e registradas em um banco de dados que posteriormente é revisado e consolidado

Por A Crítica

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