Parentes das cinco vítimas do desabamento da ponte sobre o Rio Curuçá criticam falta de suporte
Um ano se passou após a queda da ponte sobre o Rio Curuçá, no quilômetro 24 da BR-319 (Manaus – Porto Velho), mas as cinco famílias que perderam parentes na tragédia ainda sentem latente a dor do luto enquanto buscam por justiça. Após 12 meses, ainda não há uma explicação oficial sobre o que ocasionou o desabamento, embora já se saiba que havia má conservação da estrutura. O laudo contratado pelo Departamento de Infraestrutura de Transportes (Dnit) tem previsão para ficar pronto em outubro.
Esta é a terceira e última reportagem da série ‘Um ano de Dor: a Queda da Ponte na BR-319’, que trata das consequências e do atual cenário da rodovia dois meses após a tragédia que matou cinco e deixou dezenas de feridos. A primeira matéria revelou que pelo menos dez pessoas devem ser indiciadas pela Polícia Civil do Amazonas pelo desabamento. Já a segunda mostrou que a BR-319 segue com trechos intrafegáveis.https://www.smartadserver.com/ac?siteid=482434&pgid=1518426&fmtid=38614&tgt=foo%3Dbar&tag=sas_38614&out=amp-hb&isasync=1&pgDomain=https%3A%2F%2Fwww.acritica.com%2Fgeral%2Fbr-319-sem-respostas-familias-pedem-justica-1.318997&tmstp=0-16626487633109263258&__amp_source_origin=https%3A%2F%2Fwww.acritica.com
João Fernandes
Em uma casa no bairro Armando Mendes, Zona Leste de Manaus, a agente de endemias Rosângela Araújo Fernandes, 60, ainda vê lembranças do marido em todos os cantos. De um quadro da família em cima da mesa até o violão agora empoeirado que ele costumava tocar. O servidor público João Fernandes, 58, foi um dos desaparecidos após o desabamento e seu corpo só foi encontrado cinco meses depois, já em fevereiro deste ano.
“Foi muita angústia. Você não queira imaginar a dor e angústia que passamos, porque eu tinha certeza que ele estava lá. Eu dizia para a minha filha, para a minha neta. Pra gente foi terrível, mas graças a Deus foi encontrado, porque amenizou um pouco nossa angústia”, diz ela.
Rosângela conta que acompanhava o marido no dia da tragédia, retornando para Manaus a partir do sítio do casal na estrada de Autazes (AM-254). Ambos estavam em uma fila de veículos em frente à ponte, quando João pediu a ela que esperasse no carro enquanto ele veria o que estava acontecendo. Hoje se sabe que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) havia interditado a via parcialmente por causa da má condição da estrutura, gerando um protesto de caminhoneiros em cima da ponte.
“A minha vontade era ir com ele, mas como ele deixou o celular e a carteira no carro, e a gente estava com as nossa coisas, eu fiquei lá. Depois, em pouco tempo, nem dez minutos, eu só escutei o estrondo e os fios balançando. Foi quando corri para lá e vi o estrago, fiquei procurando ele. Saí de casa com meu marido e retornei sem ele”, comenta ela.
Hoje, Rosângela faz acompanhamento psicológico e psiquiátrico por meio de um plano privado de saúde. No dia do desastre, ela chegou a sofrer um infarto com o susto do desabamento. Ela critica o que chama de “total ausência de suporte” por parte do governo federal, em especial do Dnit, e diz que a família está buscando justiça.
Maria Viana
O sentimento é o mesmo na família da servidora Maria Viana Carneiro, 66, outra vítima da tragédia. Ela também tinha um sítio na estrada de Autazes, onde morava com o esposo. Ia para Manaus apenas para resolver questões do cotidiano e ver os filhos, pelos quais ela nutria muito carinho.
“Nossa mãe era tudo para nós. O que precisávamos, ela nunca dizia não. Ela era nossa âncora, nossa coluna. Então, quando arrancaram a nossa mãe, arrancaram a gente também. Ela era e ainda é muito amada. O velório dela teve que ser dividido em três horários de tanta gente que foi”, afirma o gestor de segurança Francione Viana, um dos filhos de Maria.
No dia da queda da ponte, ela estava voltando para casa após visitar a família em Manaus. Maria também precisou parar na fila de carros que se acumulava na ponte após a interdição parcial da pista. Foi nesse momento em que a estrutura cedeu e ela se tornou também vítima do desastre. O esposo dela sobreviveu.
Muito admirada pelos familiares e amigos, ela é descrita como uma pessoa brincalhona, alegre e que gostava de cultivar plantas, árvores frutíferas e pescar. O motorista Paulo Magno, também filho, diz que a busca agora é por justiça.
“A gente acredita no trabalho do delegado que está investigando isso e acreditamos que a justiça vai achar o culpado disso. Alguém tem que ser acusado, responsabilizado, porque aquela ponte já foi visualizada. Meses antes de ela cair saiu uma reportagem e foi comprovado que já estava deteriorada”, pontua ele.
Marcos Feitosa
A reportagem não conseguiu o contato de familiares do motorista Marcos Feitosa, 39, quinta vítima do desabamento. Em uma reportagem do G1 Amazonas, a esposa dele, Rainelma Gama, diz que o motorista fazia o percurso de uma a três vezes por semana e trabalhava para uma empresa de distribuição de alimentos. Marcos deixou três filhas.
“Meu marido era um cara bem família e muito presente nas nossas vidas. O sentimento que fica é de dor, de perda. Eu culpo as autoridades que sabiam desse problema, mas não deram importância para os trabalhadores e deixaram acontecer o pior”, disse a esposa de Marcos ao G1.
‘Nós não tivemos apoio de nada’
A comerciante Darliene Cunha, 25, voltava de Manaus após comprar mercadorias para revenda quando também precisou parar após a ponte ser interditada, se tornando mais uma vítima do desabamento. Uma perda que ainda pesa na rotina do vigilante Robson Cunha, esposo da vítima, que hoje cuida da filha de dois anos do casal.
A reportagem não conseguiu contato com Robson para esta matéria, mas em outra reportagem de março deste ano ele já havia falado sobre as dificuldades pelas quais passou após a partida da esposa.
“Não tivemos apoio de nada. Isso que acabava com a gente. O Dnit chegou ali, mandaram um monte de policiais ali, todos ignorantes. Já no final começaram a aparecer alguns que parecia que se sensibilizavam com o que estava acontecendo, mas no início, não queriam saber se havia parentes. Eles gritavam, chamavam palavrão, não tinham informações”, disse ele, à época.
A família de Darliene foi a primeira a processar o Dnit pelo desabamento da ponte. A ação apresentada à Justiça Federal em janeiro deste ano pede um pagamento de R$ 100 mil a título de indenização por dano moral e uma pensão em parcela única de R$ 542 mil, baseada no interrompimento da vida da vítima.
Relatório
Para esta reportagem, A CRÍTICA procurou o Dnit para saber de que maneira as famílias foram ou ainda serão assistidas após a queda da ponte sobre o Rio Curuçá. O órgão federal não retornou ao pedido até o fechamento desta reportagem, mas em março deste ano já havia informado a este jornal que só irá procurar os familiares após ter em mãos o laudo que explica o desabamento.
O relatório está sendo produzido pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT-SP) a pedido do Dnit. A previsão é que o resultado fique pronto em outubro deste ano. “No que diz respeito à procura de famílias, o Departamento esclarece que não tem feito esse contato. Isso só poderá ser feito após o fim das investigações”, disse o órgão federal, à época. O espaço continua aberto para manifestações.
Por A Criticar