O Exército brasileiro pretende reforçar a tropa e enviar 28 veículos blindados para Boa Vista, em Roraima. Possível conflito surge após referendo para anexação de território da Guiana a Venezuela ser aprovado
A aprovação do referendo para a anexação do território de Essequibo, na Guiana, pela Venezuela, no domingo (3), aumenta a tensão na fronteira com o Brasil. O Exército brasileiro pretende reforçar a tropa e enviar 28 veículos blindados para Boa Vista, em Roraima.
Segundo o cientista político Helso Ribeiro, a situação do Brasil é como “um incêndio no lado da sua casa”.
“A região faz fronteira com o Brasil, ninguém quer um incêndio do lado de casa. A Venezuela hoje conta com um poder de armamentos imenso e o Brasil está preocupado, porque é uma região fronteiriça e pode sobrar para a gente. O Brasil tenta colocar panos quentes, porque essa disputa não é de agora, ela é antiga desde o século XIX”, disse.
Membro da Comissão de Relações Internacionais da OAB-AM, o advogado Leonardo Carvalho avalia que é pouco provável a possibilidade de acontecer uma guerra entre a Venezuela e a Guiana. “Eu acho que como a chance de haver uma guerra é extremamente remota. Então, eu creio que os impactos, os reflexos dos desdobramentos aqui no Brasil, no Amazonas vão ser muito pequenos assim quase certamente não haverão”, informou.
Helso Ribeiro afirmou que, na região de Pacaraima, em Roraima, a disputa entre os dois países já está sendo sentida.“Com a guerra, mais migrantes irão atravessar a fronteira, eles já estão passando por um ‘inchaço populacional’, em uma região que não tem mais como receber as pessoas, que não tem estrutura para isso”, disse.
No último dia 29 de novembro, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, anunciou que o Exército enviaria um reforço de 60 militares para Pacaraima (RR), próximo à tríplice fronteira. O Ministério da Defesa informou ainda que acompanha a situação entre Venezuela e Guiana e que as ações de defesa “têm sido intensificadas”.
O território de Essequibo, na Guiana, tem cerca de 160 mil quilômetros quadrados e faz fronteira com a Venezuela. A disputa remonta ao século XIX, quando a região fazia parte da antiga colônia britânica da Guiana. Após a independência da Guiana, em 1966, a Venezuela contestou a validade do Laudo Arbitral de Paris de 1899, que estabelecia a fronteira entre os dois países.
Os britânicos apoiaram o direito da Guiana ao território, com base no fato de que, em 1648, os espanhóis cederam toda a área ao leste do Orinoco aos holandeses. Sendo assim, parte da terra foi posteriormente passada pela Holanda ao Reino Unido.
Entretanto, a Venezuela afirma que o território pertence a ela, já que era parte do Império Espanhol, onde havia a presença de religiosos espanhóis na área e, conforme os holandeses, nunca ocuparam a região a oeste do rio Essequibo.
Leonardo Carvalho ressaltou que a região é muito importante do ponto de vista econômico, sendo rica em minerais e petróleo. “A região é rica em petróleo, principalmente no litoral, mas a região lá também é muito rica em ouro, por isso que é importante. Agora, vai ter as eleições na Venezuela ano que vem e o Maduro vai concorrer. Por conta da situação econômica, ele está muito impopular no país e ele está usando essa questão da região de Essequibo para distrair a atenção do assunto”, disse.
Helso lembra que a estratégia tomada por Maduro é similar a outra disputa ocorrida na América do Sul, na disputa das Ilhas Malvinas, que ocorreu no século XX. A Argentina estava vivendo uma ditadura no final da década de 70, onde os generais argentinos acirraram o sentimento nacional do povo e tentaram recuperar as Ilhas Falklands e invadiram o que estava sob domínio inglês. “Eles estavam usando aquilo para unir a população, porque eles estavam sofrendo um desgaste. O que se fala hoje é a reprise, o Maduro está com dificuldades na Venezuela e ele está retomando algo que nunca foi concluído. O medo das relações internacionais é que o Maduro pegue isso, tal qual os generais argentinos fizeram com as ilhas Malvinas, para ver se gera um nacionalismo em torno do nome dele”, afirmou.
A votação realizada no domingo (3), na Venezuela, tinha caráter consultivo, isto é, o governo decidiu consultar a população sobre a possibilidade de anexar Essequibo e transformar a região em um estado venezuelano. Devido a limitação consultiva, o referendo não autoriza o governo a automaticamente anexar a região.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, dos quais 95,93% aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guineenses que vivem no território. Apenas 4,07% discordaram da proposta.
Já a Guiana considera o referendo “provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional” e afirma que não tem dúvidas sobre a validade do Laudo Arbitral de 1899, que estabeleceu a atual fronteira entre os dois países.
Por A Crítica